Fonte: Texto publicado na edição impressa da Gazeta do Povo de 13 de fevereiro de 2016
Precisamos lembrar que o “bio” de “biologia” vem de bios, a palavra grega para “vida” – algo que compartilhamos
Dias atrás, o Reino Unido concedeu uma autorização para que uma nova técnica de manipulação genética, chamada Crispr, seja pesquisada em embriões humanos – o país torna-se, assim, um dos primeiros a permitir esse tipo de pesquisa. Mas o que torna essas experiências tão singulares e potencialmente controversas? Que outras questões precisam ser abordadas à medida que outras nações analisam se devem seguir este caminho?
A técnica Crispr, descrita pela revista Science como o maior avanço de 2015, permite encontrar, em um gene humano, uma sequência defeituosa e alterá-la de forma que o problema seja resolvido. Esta pesquisa inicial britânica tem como alvo os fatores que têm impacto na sobrevivência bem-sucedida de um embrião no útero, mas as potenciais aplicações da Crispr no longo prazo estão se expandindo.
No que diz respeito às aplicações na edição de genes, é importante, em primeiro lugar, distinguir o tratamento de pessoas existentes e a alteração de genes no chamado germline, feita nos estágios iniciais do desenvolvimento embrionário. No primeiro caso, a Crispr poderia se destacar como uma terapia importante e inovadora para pessoas com graves doenças de origem genética. Mas modificar o germline apresenta um dilema ético totalmente diferente. Neste caso, as mudanças realizadas serão passadas de geração em geração. Há uma preocupação sobre como podemos apresentar adequadamente os possíveis riscos envolvidos quando não temos nenhum meio concreto de medir como esses genes serão herdados e como se manifestarão nas futuras gerações.
A segunda preocupação se refere aos valores que promovemos, conscientemente ou não, por meio da edição genética de embriões nos estágios iniciais. Frequentemente, quando uma nova tecnologia é apresentada ao público, mostra-se apenas uma parte do quebra-cabeças, mas para fazer um julgamento sensato deveríamos olhar para o possível futuro da edição genética, para assim ter o quadro completo. Por mais que o objetivo de aliviar o sofrimento e evitar doenças seja nobre, essas mesmas técnicas poderiam ser usadas para ampliar as desigualdades existentes dentro de nossa sociedade pela promoção de certas características como superiores ou desejáveis – por exemplo, maior inteligência ou beleza física. Relatórios da Unesco e da União Europeia já manifestaram severas críticas à manipulação intencional do germline, reconhecendo a possibilidade de um projeto eugênico aplicado ao âmago do nosso ser. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ressalta: “No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente: (...) a proibição das práticas eugênicas, nomeadamente das que têm por finalidade a seleção das pessoas”.
Pode ser fácil, para quem não tem um interesse particular pela ciência, distanciar-se desses avanços e deixar o julgamento para a comunidade científica. Mas precisamos lembrar que o “bio” de “biologia” vem de bios, a palavra grega para “vida” – e vida é algo que você e eu temos e compartilhamos. As questões relativas aos fundamentos da vida são perguntas que têm uma enorme influência em nossa sociedade e nas gerações que nos sucederão, e em como traçamos nosso caminho para uma sociedade mais justa e igualitária, que defenda o valor intrínseco de cada um de seus cidadãos. Assim, mergulhar nas implicações de longo prazo das decisões tomadas hoje é uma responsabilidade universal.
Emily Murtagh é pesquisadora associada do Conselho Escocês de Bioética Humana. Tradução: Marcio Antônio Campos
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