Comissões da Câmara Federal retiram
pontos controversos do chamado Estatuto do Nascituro, que dá garantias a seres
humanos ainda não nascidos
Amanhã, em São Paulo, o projeto de lei
que visa conceder proteção jurídica a seres humanos ainda não nascidos será
novamente alvo de protestos de grupos que defendem o aborto. Os pontos mais
criticados do chamado Estatuto do Nascituro, porém, não figuram na versão atual
do texto em tramitação no Congresso, pois foram modificados por duas comissões
da Câmara Federal. Além disso, a proposta está longe de ser votada no plenário
– ainda aguarda data para entrar na pauta da Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ).
Relator paranaense
Embora o Estatuto do Nascituro ainda
esteja longe de ser apreciado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara, há grandes chances de a relatoria do projeto ficar com o deputado
federal Marcelo Almeida (PMDB-PR). O ofício confirmando o paranaense como
relator deverá ser expedido pela secretaria da CCJ na próxima terça-feira. A
comissão, que é presidida pelo deputado Décio Lima (PT/SC) e conta com 64
deputados titulares (13 deles do PT), de forma geral, tem se mostrado contrária
ao projeto durante suas discussões na Câmara.
A manifestação convocada pelo grupo “O
machismo nosso de cada dia”, criado no Facebook, reuniu cerca de 10 mil
confirmações de participação no ato, que terá como ponto de partida a Catedral
da Praça da Sé, no centro paulistano. Na página, os temas mais debatidos são os
que fazem referência a uma suposta “criminalização” de abortos hoje não
passíveis de punição pela legislação brasileira e também ao pagamento de
auxílio a mulher que desejar criar o filho gerado após um estupro.
“Essas críticas são feitas à forma
originária do projeto e também sobre interpretações do que ele poderia vir a
ser. Mas não vejo motivo para preocupação, pois o Estatuto inova ao encarar sob
o aspecto legal o ser humano na sua fase anterior ao nascimento”, afirma Paulo
Leão, procurador-geral do Rio de Janeiro.
Originalmente, o texto do Estatuto
entrava na esfera penal ao imputar penas de um a três anos de reclusão a quem
causar morte ao nascituro ou de até dois anos para quem fizer propaganda de
métodos abortivos. Esses trechos, porém, foram suprimidos e deram lugar,
inclusive, a uma ressalva aos casos às garantias do artigo 128 do Código Penal
Brasileiro, que não pune abortos realizados quando não há meios de salvar a
vida da mãe ou em vítimas de estupro.
Apesar dessas alterações, ainda há quem
aponte o Estatuto do Nascituro como forma de frear avanços legais e sociais
conquistados pelas mulheres. “O projeto original era horrível e agora ele está
menos ruim. Mas [as mudanças], na verdade, serviram para criar embaraços em um
texto que é inconstitucional por ferir direitos sexuais e reprodutivos das
mulheres”, defende José Henrique Rodrigues Torres, presidente da Associação
Juízes para a Democracia.
Leão, porém, discorda dessa tese. “É
uma integração aos direitos das mulheres e de todos os seres humanos nessa fase
de vida intrauterina. O texto proposto pela Comissão de Seguridade Social e da
Família, além de mais enxuto, é mais preciso.”
“Do ponto de vista biológico, a única
distinção entre um nascituro de poucas semanas ou um bebê, por exemplo, é a
quantidade de células e a disposição delas. Por isso, acredito que um embrião
deve dispor da mesma proteção jurídica que a mãe dele, incluindo aí o direito à
vida”, diz Waldemiro Gremski, pró-reitor de Pesquisa e Graduação da PUCPR e
ex-professor de embriologia na Universidade Federal do Paraná.
Opinião
A Gazeta do Povo entrevistou duas especialistas, com opiniões divergentes
sobre o Estatuto do Nascituro. Confira abaixo:
A favor
Cláudia Batista, é professora do
Departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O Estatuto do
Nascituro deve ser aprovado?
Embora saiba que é difícil, eu gostaria
muito que fosse aprovado. O texto tem base científica e está inserido em um
debate ético. Mas, infelizmente, depende muito do que as pessoas entendem sobre
embriologia e de suas convicções pessoais que, por vezes, são muito parciais.
De que forma o embate
moral e religioso interfere na tramitação desse projeto?
Esse debate [moral e religioso]
atrapalha, porque o que precisamos é de um debate ético com fundamentação
científica. O Congresso não é lugar de discutir religião, que apoia o projeto
naturalmente porque o papel dela é dar ênfase a todo e qualquer direito humano.
Mas garanto que o Estatuto não está baseado em religião e sim em uma base
científica.
Os direitos
individuais das mulheres estão em risco com a aprovação do Estatuto?
Precisamos deixar claro quais são os
direitos da mulher e quais são os do embrião, que é um ente à parte. Ele não
faz parte do corpo dela, porque é geneticamente diferente e controla seu
desenvolvimento. Enquanto isso não está claro, sempre haverá um grupo feminista
batendo o pé na questão.
Assim como o Código
Penal, o Estatuto continua garantindo a não penalização do aborto em caso de
estupro ou risco para a mulher. Como a senhora vê isso?
O Estatuto está certo em não mexer com
a lei [penal]. Da forma que está escrito, a mulher continua livre para fazer
sua escolha. O que o projeto faz é dar toda a assistência à vítima, para que
ela possa superar se decidir levar à gravidez a termo. Tudo precisa ficar muito
claro, inclusive que ela poderá colocar a criança para doação. Se ela quiser
criar, porque não conceder um auxílio, como os já existentes, para as mães com
dificuldades financeiras? Isso é uma questão que o Estado já garante.
Contra
Lia Zanotta Machado, é antropóloga,
doutora em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo (USP) e professora
da Universidade Nacional de Brasília (UnB).
O Estatuto do
Nascituro deve ser aprovado?
Eu espero que não seja aprovado, porque
tem vários problemas constitucionais, confunde ao estabelecer uma série de
direitos a nascituros garantidos pela Constituição apenas à pessoas depois de
nascidas. Além disso, ele colocará em risco direitos conquistados relacionados
à saúde da mulher e os avanços em reprodução assistida que vão na contramão de
outras sociedades, como a Espanha e Portugal, os últimos europeus a garantir
direitos elementares das mulheres, mas que o fizeram, mesmo que tardiamente.
De que forma o
Estatuto coloca em risco à autonomia da mulher?
Da forma que está redigido atualmente,
o Estatuto não proíbe o aborto em casos de estupro e riscos à gestante. Mas ele
dará margem a interpretações de juízes em todo o Brasil, pois concede direitos
até a um zigoto [estágio de vida anterior ao embrião], que podem suplantar os
direitos daquela mulher.
Como a senhora
observa a questão do auxílio à mulher que decidir criar o filho gerado após um
estupro? As alterações no texto foram suficientes para desfazer eventuais mal
entendidos?
Isso foi um remendo mal feito [no
projeto]. Dizem que o genitor será identificado e imputado, mas quanto isso
demorará? Enquanto isso, o Estado arcará com os custos dessa criação. Mas não
há uma preocupação em relação à saúde e à dignidade da mulher.
O projeto interfere
nas questões que envolvem à reprodução assistida?
A partir do momento
que você estabelece direitos a um zigoto, você abre espaço para quaisquer
pensamentos moralistas e ultrapassados, que podem sim desconsiderar avanços
importantíssimos na área da tecnologia da saúde.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1381739&tit=Polemica-sobre-aborto-perde-forca
A Gazeta do Povo entrevistou duas especialistas, com opiniões divergentes sobre o Estatuto do Nascituro. Confira abaixo:
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1381739&tit=Polemica-sobre-aborto-perde-forca
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