A decisão de participar de um estudo clínico tem um quê espiritual
Filha de mãe católica e pai muçulmano, eu sempre tive um grande interesse pela religião, mas nunca fui uma fiel praticante. Depois de receber o diagnóstico de um tipo agressivo de leucemia em 2011, aos 22 anos de idade, pus minha fé na medicina.
Durante meu primeiro ciclo de quimioterapia de indução fiz o que sempre fiz de melhor: eu estudei. Enquanto crescia, sempre fui um rato de biblioteca, uma aluna que só tirava dez. Encarei meu câncer da mesma forma que encarei meu TCC na faculdade, enterrando a cabeça em publicações especializadas, entrevistei especialistas e vasculhei a internet em busca de informação. Como dizem, saber é poder. E eu acreditava que quanto mais soubesse sobre a doença, maiores seriam as chances de sobrevivência.
Dois anos e meio mais tarde, vi como fui ingênua. Descobri que o saber tem limites.
Em 2011, depois de quatro semanas no isolamento na ala de oncologia de um hospital da cidade de Nova York, meus médicos trouxeram más notícias: não apenas os tratamentos comuns não haviam funcionado como também meu câncer parecia ter se tornado mais agressivo. Apesar da quimioterapia, eu me encaminhava à insuficiência medular. Meu sistema imunológico não funcionava mais, e meu corpo não conseguia mais produzir produtos sanguíneos por conta própria, deixando-me dependente de transfusões. Aos 22 anos, eu comecei a meditar sobre minha própria mortalidade. Nunca tinha pensado que, com todos os progressos feitos na pesquisa do câncer, nenhum dos tratamentos padrões funcionaria comigo.
Foi então que fiquei sabendo de algo chamado de estudo clínico.
Quando meus médicos recomendaram que eu participasse de um estudo clínico experimental, envolvendo a combinação de duas drogas de quimioterapia de que nunca tinha ouvido falar, eu estava cética. Bem, para ser sincera, eu estava morrendo de medo. Para mim, os estudos clínicos só serviam para pacientes terminais – um último recurso, um tiro no escuro. As palavras "experimental" e "estudo" me faziam pensar em cientistas malucos e porquinhos-da-índia.
Na verdade, um estudo clínico não é um "experimento" no sentido clássico. No mundo da medicina, um estudo refere-se à pesquisa clínica que se segue a um plano ou protocolo predefinido. O estudo clínico deve obedecer a regras estritas de saúde, segurança e ética determinadas pela FDA, agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos. Existem três fases diferentes em um estudo clínico. Os da fase um são os primeiros de um tratamento com humanos para determinar se ele é seguro. A fase dois se concentra na eficácia do tratamento. E a fase três é o teste final antes de a aprovação da FDA determinar se um tratamento oferece vantagens sobre os tratamentos padrão atualmente disponíveis.
Meus médicos recomendaram um estudo clínico de fase dois, significando que ainda não se sabia nem sequer se a nova combinação de quimioterapia era eficaz, que dirá melhor do que o padrão em tratamento. Em uma hora em que tudo parecia tão incerto, eu necessitava de fatos, estatísticas e provas reais de que meus tratamentos de câncer mereciam a devastação que provocaram na minha saúde física e mental. Eu só não queria virar um daqueles porquinhos-da-índia. Eu queria uma cura, não um estudo.
De repente, eu me vi diante de um salto de fé que não era baseado na religião, mas que continuava parecendo muito espiritual. Nenhum tratamento funcionara até então, então como eu poderia ter certeza de que esse funcionaria? Meus médicos não tinham respostas certas para mim. Depois de algumas noites sem dormir, hesitante, aceitei participar. Afinal, poucas opções me restavam, e quanto mais eu esperasse, menores elas poderiam se tornar.
O estudo clínico testou minha fé a cada passo do caminho. A combinação de drogas quimioterápicas enfraqueceu meu sistema imunológico a níveis perigosos. Passei incontáveis noites em uma sala de pronto-socorro com ondas de febre que preocupavam meus médicos e fui internada com complicações potencialmente letais, que iam de choque séptico a uma infecção de risco pelo 'Clostridium difficile'.
Porém, passados seis meses, o regime cumprira sua missão, reduzindo minha 'contagem de blastômeros' a um nível seguro para um transplante de medula óssea. Na primavera passada do Hemisfério Norte eu fiz o transplante, sendo meu irmão o doador. E hoje, tenho muita sorte em poder dizer que estou livre do câncer.
Ainda não rezo, não frequento igrejas nem me considero religiosa. Entretanto, tenho um tipo diferente de fé agora – uma fé na minha incrível equipe de médicos, na força do meu corpo e no poder da pesquisa científica.
Contudo, ainda tenho várias perguntas. Por que minha boa amiga Anjali, que também era jovem e tinha a mesma doença, não respondeu aos tratamentos que salvaram a minha vida? Parte da resposta tem a ver com a ciência, mas a outra parte é um mistério. E mesmo que eu não siga uma religião formal, passo muito tempo pensando em por que ainda estou aqui.
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