Conversa entre Pe. Paulo Ricardo e o Dr. Paulo Fernando
sobre a PLC 03/2013
Na última semana o Senado Federal aprovou um projeto de lei
que, de acordo com a grande maioria dos movimentos pró-vidas do Brasil, abre
brecha para a legalização do aborto no país.
Trata-se da PLC 03/2013 - cujo texto integral pode ser lido
aqui - que garante uma série de tratamentos médicos para vítimas de estupro,
incluindo a “profilaxia” da gravidez, que é “no mínimo um termo infeliz”. –
disse Pe. Paulo Ricardo a ZENIT – “Porque profilaxia se faz para evitar uma
doença. Gravidez não é doença”.
A linguagem desse projeto é propositadamente imprecisa,
afirmou o sacerdote, advertindo que a união entre esse projeto de lei com a
norma técnica do aborto legal já existente no Brasil, será como juntar fogo com
pólvora. Tal junção obrigará todos os hospitais do Brasil, católicos incluídos,
a realizar o aborto.
Na noite de ontem, ZENIT organizou uma conversa informal
entre o advogado Paulo Fernando, vice-presidente do movimento Pró-vida de
Brasília, e o Pe. Paulo Ricardo, sacerdote da diocese de Cuiabá.
Acompanhe a conversa na íntegra:
***
Paulo Fernando: Pe. Paulo Ricardo, como o senhor viu a
histórica tramitação do PLC 03/2013?
Pe. Paulo Ricardo: Em primeiro lugar a tramitação foi quase
que escandalosa, ou seja, tratou-se de um desarquivar de um processo que já
estava há muito tempo lá. Mas de repente, da noite pro dia, num prazo
curtíssimo, essa lei – e sabemos que as leis demoram muito para tramitar no
congresso – num prazo curtíssimo essa lei foi aprovada quatro vezes
unanimemente. Então hoje, o que que nós vemos? Que no congresso, os próprios
deputados e senadores, pelo menos todos aqueles que nós tivemos contato nesses
dias, todos dizem unanimemente: “Ah, nós votamos mas não sabíamos exatamente
qual era o conteúdo daquilo que estava sendo votado”. Então, isso é a primeira
coisa, que estamos diante de uma democracia onde se faz valer com o pretexto de
contentar as mulheres, no dia internacional da mulher, mas não se pensa no
conteúdo da lei e o que vai ser de consequência para o país.
Paulo Fernando: Levando em consideração o aspecto da
democracia plena, que é a discussão das proposições, o senhor acha que a
democracia foi ferida, já que não houve debate, não houve análise nem discussão
desse projeto que foi colocado “goela abaixo”.
Pe. Paulo Ricardo: Sem dúvida alguma que, se o projeto
tivesse sido realmente debatido e não simplesmente aprovado como um ato
político para agradar um grupo de bancada feminista, etc, então as coisas
teriam certamente sido diferentes.
Paulo Fernando: Agora, em relação ao PLC 3/2013, de autoria
da deputada Iara Bernardi (PT-SP), realmente de que trata esse projeto no seu
cerne?
Pe. Paulo Ricardo: Veja, o projeto originalmente é um
projeto que visa defender pessoas vítimas de violência sexual. O problema é que
a linguagem é propositadamente imprecisa e não somente imprecisa, como carrega
no seu pojo uma série de chavões que quem conhece a agenda daqueles que
promovem o aborto, sabe perfeitamente o que é que está por trás de cada um
desses chavões.
Por exemplo, no artigo primeiro, ele fala de um atendimento
que tem que ser emergencial. Ora, o projeto original falava que a pessoa devia
estar numa emergência médica para ser atendida emergencialmente. Agora não se
fala mais de emergência médica, fala-se de atendimento emergencial. Então, é
evidente que isso pode significar para uma pessoa bem intencionada, que uma
pessoa acaba de ser estuprada e precisa de um atendimento emergencial. Mas,
para os mal-intencionados pode significar também uma pessoa que já está grávida
há meses e agora vai ter um atendimento emergencial simplesmente porque está
alegando que foi estuprada.
E por que esse nosso medo? Não é um medo delirante. Por quê?
Porque realmente já existe no Brasil uma norma técnica que data do governo
Fernando Henrique Cardoso, na época em que o ministro José Serra era o ministro
da saúde, em que essa norma técnica diz que qualquer mulher que se apresente ao
hospital alegando simplesmente que foi estuprada o médico deve crer naquilo que
ela está dizendo e, caso o médico duvide, cabe ao médico o ônus da prova de que
isso não é verdadeiro.
Então vejam só, quando a gente pega, junta, essa norma
técnica com esta lei, nós temos aqui o quê? O fogo que junta com a pólvora. As
pessoas que não estão por dentro dessa luta nossa pró-vida, acham que não tem
nada de mais que se dê o atendimento emergencial. Mas, para quem está no
pró-vida sabe muito bem o que significa. E não somente. O artigo 1º termina
dizendo que deve ser encaminhado para a assistente social e as assistentes
sociais são exatamente as agentes que têm encaminhado inúmeras pessoas para o
serviço de aborto legal.
Paulo Fernando: Dentro do sistema de saúde brasileiro ¼ dos leitos hospitalares pertencem à casa de
saúde de misericórdia. Um dos aspectos desse projeto é querer obrigar os
hospitais católicos a procedimentos da prática do aborto. Como é que o senhor
viu isso no projeto?
Pe. Paulo Ricardo: Veja, o projeto não fala explícitamente
de aborto, mas fala que todos os hospitais que estão na rede SUS deverão dar um
atendimento integral. Agora, esse atendimento integral, embora não se fale de
aborto, significa na prática a possibilidade de aborto porque é o que nós temos
no mundo real dos hospitais brasileiros. Então, o que é que esta lei está
fazendo na prática? Está estendendo a rede de abortos legais para toda a rede
hospitalar brasileira.
Hoje, se uma pessoa está grávida e alega um estúpro, se ela
for a um dos 64 centros hospitalares que realizam o procedimento do aborto
chamado legal, indevidamente chamado legal, essa pessoa irá conseguir o aborto.
Ora, isso daí é uma realidade que só existe em 64 centros hospitalares. Mas
hoje, com essa lei, se ela for sancionada pela presidente da república, toda a
rede hospitalar brasileira, inclusive as Santas Casas, os hospitais católicos,
deverão providenciar esse atendimento integral porque a lei contempla a palavra
integral. E se é integral tem que ser tudo aquilo que os outros fazem.
Paulo Fernando: Como é que o senhor vê a questão da objeção
de consciência dos profissionais da saúde – médicos, enfermeiros, anestesistas,
auxiliares?
Padre Paulo Ricardo: Veja, aqui no Brasil, infelizmente a
questão da objeção de consciência não está devidamente regulamentada. O que nós
temos de fato é o seguinte, que se contempla a possibilidade da objeção de
consciência de uma pessoa. Uma pessoa poderia, ao menos em teoria, objetar e dizer
“eu não aceito fazer aborto, portanto não farei”. Isso em teoria, porque depois
não há regulamentos que garantam o exercício desse direito.
Mas, o problema maior é que não existe objeção de
consciência para instituições. Então, se toda rede hospitalária é obrigada,
imaginemos um pequeno hospital católico, onde só haja um médico de plantão.
Aquele 1 médico deverá fazer o aborto, embora ele objete. Por quê? Porque não
há objeção da instituição. Se a instituição é obrigada e ele é o único médico
de plantão, ou ele faz ou ele será demitido. E se ele não fizer a instituição
será punida. Então, aqui cria-se uma série de dificuldades que estão ali,
dentro da própria lei.
Paulo Fernando: Já são conhecidos os chavões, a cantilena,
os eufemismos utilizados pelas feministas nessas questões. Como o senhor viu a
expressão “profilaxia da gravidez” que as mulheres terão direito por este
projeto?
Paulo Ricardo: Veja, a profilaxia da gravidez, é no mínimo
um termo infeliz. Por quê? Porque profilaxia se faz para evitar uma doença.
Gravidez não é doença. Uma criança não é uma doença. Então, já é algo
moralmente inadequado usar esse termo.
Em segundo lugar, as pessoas tem que entender que o ser
humano existe desde o momento da concepção. Os papas têm dito com toda clareza
que temos que lutar pela defesa da vida desde a concepção até a sua morte
natural. A concepção é o momento em que inicia a vida humana, portanto, se uma
mulher estuprada concebe, ela tem um filho desde o momento em que o
espermatozoide se uniu com o óvulo. E se eu der o medicamento para que aquele
embrião, ao descer da tuba uterina não tenha a possibilidade de nidação, ou
seja, de se fixar no útero da mulher, eu estou matando a criança. Então,
profilaxia da gravidez é sim uma possibilidade de aborto. Porque você está
dando um remédio, você não sabe se houve a concepção, você está dando um
remédio para impedir que o embrião se fixe no útero da mãe. E isso é sim tirar
uma vida humana.
Paulo Fernando: Nessa segunda feira, 16, na praça dos três
poderes, tivemos uma linda manifestação da juventude católica de Brasília,
acompanhado de alguns evangélicos. E nós estivemos em audiência junto ao Sr.
Ministro Gilberto Carvalho, secretário geral da presidência da república. Que
reivindicações e que argumentos o senhor utilizou junto ao senhor ministro?
Padre Paulo Ricardo: Eu apresentei para o ministro Gilberto
Carvalho o fato concreto de que nós já temos uma norma técnica muito infeliz no
país, que possibilita com muita facilidade que qualquer mulher que alegue ter sido
vítima de estupro e estar grávida, pode então praticar o aborto. E que isso só
existe na prática em 64 centros hospitalares.
O nosso pedido ao ministro Gilberto Carvalho é que ele
considere que essa lei está estendendo esse serviço hediondo a toda rede
hospitalar e que, portanto, isso irá sim desgastar a presidenta da república
porque ela prometeu que não iria realizar nenhum ato na direção da promoção do
aborto no nosso país.
Portanto, embora o entendimento de algumas instituições
católicas, evangélicas, espíritas seja de que a lei não é tão ruim assim e
estão defendendo um veto parcial, na prática, quem vive no dia a dia, na luta
pró-vida, vai encontar nos hospitais as consequências dessa lei nefasta e
portanto isso será sim, na prática, para todo esse grupo de pessoas que militam
na defesa da vida, no dia a dia, no corpo a corpo, nos hospitais, essas pessoas
vão sim ver essa lei com olhos muito críticos e muito severos com relação à
presidenta da república. E portanto, é importante compreender isto: quando
algumas autoridades da Igreja católica ou de outras igrejas se manifestam pelo
veto parcial, nós temos um profundo respeito pela posição dessas pessoas porque
eles estão fazendo uma análise jurídica da materialidade da lei, mas o que está
faltando para estas pessoas, que nós respeitamos, é a análise da materialidade
da lei junto com a realidade da luta pró-vida por causa dessa norma técnica.
Nós poderíamos dizer assim, para que você entenda o que
estou querendo explicar. Essa lei é como se fosse o fogo, a norma técnica é
como se fosse a pólvora. Ou seja, o fogo em si é uma coisa boa. Com o fogo eu
posso cozinhar feijão, arroz, fazer tanta coisa gostosa e boa. Mas, se você
juntar com a pólvora vai dar desastre.
Essa lei, que quer defender pessoas violentadas, vítimas de
abusos sexuais, essa lei, talvez em algum outro lugar, na Birmânia, na Escócia,
em Bangladesh, ela seja inócua, seja uma lei maravilhosa, mas aqui no Brasil,
com aquela norma técnica ela será certamente uma lei que irá estender o
morticínio do chamado “aborto legal” para toda a rede hospitalar.
Paulo Fernando: Em várias discussões com os parlamentares da
bancada religiosa foi colocado a questão da distribuição da pílula do dia
seguinte. O senhor acha que com a sanção desse projeto, a distribuição da
pílula do dia seguinte vai ser uma coisa corriqueira?
Padre Paulo Ricardo: Infelizmente, a pílula do dia seguinte
já se tornou uma realidade corriqueira no nosso país. Só que com esse projeto
ela não será somente uma coisa corriqueira, ela será algo obrigatório nos
hospitais católicos. Se não for vetado nenhuma parte desse projeto, dessa lei,
isso será uma realidade. Os hospitais católicos serão obrigados a fornecer a
pílula do dia seguinte porque faz parte do atendimento integral que é defendido
por esta lei.
Paulo Fernando: Lembrando que na hipótese do veto parcial ou
total a discussão da matéria não se encerra, já que neste caso a matéria
retorna para o Congresso Nacional para que seja apreciado o veto, ou seja,
mantido ou derrubado, que passos então, a comunidade católica, o movimento
pró-vida deve fazer em relação a isso, se a matéria voltar para o Congresso
Nacional?
Padre Paulo Ricardo: Bom, se a matéria voltar para o
Congresso Nacional nós precisamos concretamente ser uma presença lá, estando
atentos a tudo aquilo que está tramitando no nosso congresso. Infelizmente a
presença nossa, de pró-vidas no Congresso existe, mas, de forma geral, os que
estão militando no Pró-vida estão quase que sendo levados por uma enxurrada de
projetos malucos de todo tipo de coisa, do qual nós temos que continuamente nos
defender.
É importante o católico se dar conta de que a militância
política faz parte de uma missão real e concreta do leigo e que nós não podemos
lavar as mãos. É que alguns católicos confundem as normas jurídicas da Igreja
com relação aos padres e aplicam a si mesmos. Um padre não pode fazer política
partidária. Não pode ser candidato, não pode entrar no campo político
partidário, então, se um padre não pode, muitos leigos dizem “Ah, então deve
haver algo de muito ruim nisso, então eu não vou me candidatar”. Bom, o que eu
sempre digo para os leigos é isso “Olha, você deixa de ser padreco porque isso
é uma lei para os padres. Não é pra você”. Você que é leigo tem o dever. Esse é
o seu sacerdócio. Você tem o dever de se engajar politicamente. Ou se
candidatando ou defendendo e fazendo propaganda para candidatos. O católico
ainda se sente extremamente incomodado de fazer propaganda política, como se aquilo
fosse um crime. Não! Nós precisamos levar os nossos candidatos de casa em casa,
no sentido de levar o seu nome pra pessoas e dizer “esse é o nosso candidato”,
“vote”, “é um homem bom”, “é uma mulher boa”. Não é? Fazer essa propaganda. O
católico tem que parar de ter esse medo de se envolver em política.
Fonte: Zenit.org (Brasília, 17 de Julho de 2013, Thácio Lincon Soares de Siqueira)
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